Em 10 de Dezembro de 1925, a postulante das Irmãs Doroteias, Lúcia de Jesus, teve uma revelação de Nossa Senhora, que lhe pedia para difundir o culto dos cinco primeiros sábados em Reparação ao Coração Imaculado de Maria. A jovem estava então em Pontevedra, Espanha, na casa onde fazia a sua formação.
A devoção previa quatro atos concretos necessários para esta devoção de reparação: A comunhão no primeiro sábado; A confissão que garanta não só o estado de graça para poder receber a comunhão nesse dia, mas também o sentido eminente da reparação; A oração do Terço do Rosário; A meditação de quinze minutos sobre os mistérios do Rosário. Como resposta a esta devoção Nossa Senhora promete a assistência na hora da morte e não faltar com os meios necessários à salvação. Esta devoção foi aprovada pelo Bispo de Leiria em 1936, e tem conhecido um grande desenvolvimento
em muitos lugares do globo. Neste momento concreto e particular da história da humanidade, com o advento de uma pandemia à escala global, em que um grandíssimo número de fiéis estão privados do acesso à Eucaristia e à Confissão sacramental parece-me justo que nos perguntemos: será que esta cadeia de amor a Maria que tanto bem tem feito na vida de numerosos crentes, fica agora quebrada por não se poder, para a grande maioria, cumprir literalmente pelo menos duas das suas cláusulas? As devoções na vida do povo de Deus são elementos vá-
Os cinco primeiros sábados em tempo de pandemia lidos e, muitas vezes, necessários para aprofundar a nossa comunhão com Deus pela oração, oferecem-nos não raramente ocasião para aprofundar os conteúdos da nossa fé e, ainda mais importante, ajudam-nos na renovação da nossa própria vida segundo os critérios do Evangelho. Não são obrigatórias, embora possam e devam ser um precioso auxílio na vida cristã. Não ter devoções pode significar um coração seco e uma mente demasiadamente racionalista na percepção do mistério de um Deus-Amor.
Há, porém, uma outra reflexão que importa fazer é a relação entre as devoções e a liturgia. A liturgia é a voz oficial e clara da Oração da Igreja, manifestada de maneira particular, nos Sacramentos e na Liturgia das Horas. Por ser a expressão mais genuína da oração da Igreja não se torna opcional e, no caso dos sacramentos é mesmo
incontornável. A liturgia ao ser expressão genuína da oração da Igreja tem uma estrutura que tende a ser estável e que, no caso dos sacramentos, não pode ser deixada ao livre arbítrio daquele que a preside, porque não é manifestação de um qualquer ministro, mas da Igreja toda. Na liturgia, mesmo celebrada em comunidades pouco numerosas, ela é sempre expressão do louvor da Igreja inteira.
As devoções não são expressão obrigatória da oração da Igreja, mas são legítimas, e expressão da fé dos cristãos. Podem não ter uma estrutura orientativa universal, mas têm um largo campo de adaptabilidade segundo as circunstâncias da história e das urgências pastorais. Como exemplo, o Papa São Paulo II modificou a estrutura do Rosário que vinha do tempo do Papa S. Pio V ( +1572), introduzindo nele em 2002 o
ciclo dos Mistérios Luminosos e ainda a possibilidade de se fazer a Via-Sacra com um novo conjunto de estações com maior conteúdo bíblico. Poderíamos acrescentar outros exemplos de devoção mais recentes ou mais antigos que sofreram evolução e continuam a ser uma expressão orante e contextualizada na história dos homens. Por isso, ninguém ficará chocado, se a devoção dos cinco primeiros sábados, no contexto do momento presente, necessitar de um ajustamento, para responder ao apelo que Nossa Senhora nos quer fazer quando a recomenda. O problema mais concreto é o da
comunhão e da confissão sacramental que muitos não poderão fazer. Sabemos que a Igreja e o Papa Francisco, em concreto, têm-nos ajudado a encontrar uma resposta espiritual adequada para fortalecer a nossa fé neste momento de provação através da redescoberta do valor da comunhão espiritual, que acentua em nós o desejo da Eucaristia e nos faz, no segredo da nossa oração pessoal, redescobrir o sentido do Sacramento do Altar. Por outro lado, e expressando o desejo pessoal do Santo Padre, a Penitenciaria Apostólica em decreto de 20 de Março de 2020, abre as grandes portas
da Indulgência plenária, em condições muito simples e próximas, por exemplo a oração do Terço. Receber este dom da Misericórdia de Deus que a Igreja
nos faz chegar, que é a Indulgência Plenária, não é a mesma coisa que a confissão sacramental, mas aproxima- -nos do dom da graça que cura, poderá na atual situação, ser uma maneira de viver a clausula prevista do sacramento da Penitência.
Nas devoções, e olhando esta em concreto, o fundamental não é a materialidade
dos atos mas o fim a que ela nos conduz - a relação de amor filial e reparador. Na situação presente, podemos de modo diferente, mas não menos válido, manter os cinco primeiros sábados e reparar com muito amor,
O Coração bondoso da Mãe do Céu.
Rui Lopes
Artigo publicado na Stella n.701 | Janeiro 2021