Olhando à nossa volta - e pelo mundo além… fica-nos a sensação duma falta de ‘fraternidade’ que distrai as pessoas do essencial e as distancia umas das outras.
E é por isso que o Papa Francisco se vale do sabor da fé, para em todos o apetite da paz, do respeito mútuo e da unidade. E, assim, podemos entender que ninguém se salva sozinho, uma vez que a humanidade é única, no mundo… e todos nós somos irmãos. Simplesmente, se o mundo se fecha à conta do egoísmo ou do enfraquecimento dos valores espirituais… a globalização torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. E é por isso que nos afeiçoamos, a cada passo, às palavras mais sonoras, como: liberdade – democracia – cultura do lucro… e nos desligamos das mais significativas, como sejam: o amor - a justiça – a solidariedade… que nos haviam de abrir aos maiores ideais.
Entretanto, Deus continua a espalhar sementes de esperança, que nos fazem apetecer a verdadeira fraternidade universal. Mas, da nossa parte, é necessário ir abrindo caminho à ‘proximidade’ e à cultura do ‘encontro’. Doutro modo, vinga a desconfiança, a falta de diálogo, a desigualdade de direitos e, até mesmo, formas novas de escravatura. Por outro lado, há momentos que falam mais alto, devido à afirmação da virtude ou à incúria da fraternidade. A afirmação da virtude aproxima-nos uns dos outros e faz-nos saborear o gosto da caridade; a incúria da fraternidade desvia os olhos do próximo ou trata-o com desprezo. É o que diz a parábola do ‘bom samaritano’, contada por Jesus: à conta da incúria – um homem é assaltado, roubado e maltratado, enquanto caminha de Jerusalém para Jericó; e à conta da virtude – é olhado com fraternidade e levado para uma estalagem que, além do acolhimento, lhe garante socorro.
De facto, o amor constrói pontes ou laços de união; e, como diz o Papa Francisco, “nós somos feitos para o amor”!
Então, não perguntemos quem é o nosso próximo; tornemo-nos antes, próximos daqueles que nos rodeiam. E se alguns de entre eles se acham feridos, disponhamo-nos a agir como o bom samaritano: com solicitude, generosidade e prontidão.
Pois, aquela parábola vai-se repetindo por muita banda… e algumas vozes, como a do ‘Macedónio’, continuam a
ouvir-se de longe e a chamar por nós, como chamaram por Paulo. Procuremos, então, impedir que o fatalismo justifique a indiferença e que o mundo de hoje facilite a exclusão. Com efeito, a própria incúria social e política, pouca ou nenhuma atenção oferece à sociedade maltratada ou ferida… quando a caridade aproxima sempre e se aproxima de quem sofre. Entretanto, o dinamismo da caridade leva-nos ao encontro da comunhão universal. E, daí, a cultura do mesmo ‘encontro’, que chama a atenção da ‘Igreja em saída’. E bastará olhar para a Igreja em saída… ou nós devemos sair, também, ao encontro dos irmãos? Se dermos atenção à advertência de Jesus: “Vós sois todos irmãos” (Mt.23, 8) … pensamos num mundo mais aberto ou numa comunhão de sabor universal. De facto, há necessidade de levar em conta ‘a ética das relações internacionais’, uma vez que os bens usados localmente, tanto devem favorecer os de casa, como ajudar os que chegam de longe e sentem necessidade. Mais ainda: a pobreza tanto afeta famílias débeis e desafortunadas, como países debilitados e sem meios ao seu alcance.
Por isso, esta “oração cristã ecuménica” resume o que fica dito:
“Deus nosso, Trindade de amor, a partir da poderosa comunhão da vossa intimidade divina infundi, no meio de nós, o rio do amor fraterno. Dai-nos o amor que transparecia nos gestos de Jesus, na Sua família de Nazaré e na primeira comunidade cristã.
Concedei-nos, a nós cristãos, que vivamos o Evangelho e reconheçamos Cristo em cada ser humano, para O vermos crucificado nas angústias dos abandonados e dos esquecidos deste mundo e ressuscitado em cada irmão que se levanta. Vinde, Espírito Santo! Mostrai-nos a vossa beleza refletida em todos os povos da terra, para descobrirmos que todos são importantes, que todos são necessários, que são rostos diferentes da mesma humanidade amada por Deus.
Amen”.
Augusto César
Bispo Emérito da Diocese de Portalegre e Castelo Branco
Artigo publicado na Stella n.701 | Janeiro 2021